sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Entre Beethoven, Larkin e Goya


      A música é o segundo andamento da 7.ª Sinfonia de Beethoven. É um trecho bastante conhecido, que surgiu recentemente enquanto banda sonora do filme O Discurso do Rei


Na banda sonora do filme a música aparece sob o título Speaking unto Nations. Há uma nuance discursiva no título em inglês que o nosso idioma demasiado igualitário não permite retratar exatamente, que é a o significado transmitido pela preposição unto. Falando a nações, portanto, mas falando de cima para baixo. A música transmite sentimentos semelhantes. No filme, podemos lê-la à luz do velho nacionalismo europeu, culminando no momento em que o velho Império Britânico declara guerra à rejuvenescida Alemanha Nazi. Há algo de profundo e subterrâneo, de força de gigante adormecido nos graves lentos dos violoncelos, uma vontade que acorda e progride para os tons mais altos dos violinos. Há, essencialmente, um tom ominoso: uma certa clareza que morrerá, uma inocência e espontaneidade que não mais terão lugar na Europa. Nos versos de Philip Larkin:

Não mais essa inocência,
Nunca antes, ou desde então,
Como transmutando-se em passado
Sem uma palavra – os homens
Deixando jardins bem cuidados,
Os milhares de casamentos,
Durando apenas um pouco mais:
Nunca mais essa inocência.*


          Parafraseando Nietzsche e Leni Riefenstahl, a vontade que se ergue e esmaga sob o seu peso a insustentável leveza das existências simples. A vontade, perguntaremos nós hoje, europeus contemporâneos, mas que vontade? Saberemos nós ainda distinguir a vontade da inexorabilidade? Por leitura hipertextual, a música conduz-me à pintura, Beethoven conduz-me a Goya. E penso se o pintor espanhol (ou o seu aprendiz que rubricou O Colosso) estaria a pensar em nós ao criar esta indistinta e assustadora visão do futuro. 






            * A tradução é minha: original em http://net.lib.byu.edu/english/WWI/influence/MCMXIV.html.